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A capacidade civil do empresário à luz do estatuto da pessoa com deficiência

A capacidade civil do empresário à luz do estatuto da pessoa com deficiência Com o advento da lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa

10 de agosto de 2016

A capacidade civil do empresário à luz do estatuto da pessoa com deficiência

Com o advento da lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), ocorreram mudanças no campo das propriedades da pessoa natural, a saber, a capacidade.

Já é possível constatar que os incisos I, II e III do artigo 3°, do Código Civil de 2002, foram expressamente revogados e, com isso, a única causa de incapacidade absoluta é possuir idade inferior a 16 anos.

Ademais, o Código civil também sofreu reformulação no rol de relativamente capazes, em razão de terem sido excluídos as seguintes figuras: “os que por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido”, “os excepcionais” e aqueles “sem desenvolvimento mental completo”.

Por outra vereda e como consequência destas inovações, aqueles que “mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade” foram excluídos do arrolamento de pessoas absolutamente incapazes e direcionados ao catálogo de relativamente incapazes.

Desta evolução sistemática do Código Civil, pelos termos do Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), é possível extrair duas conclusões importantes: (i.) a deficiência (artigo 2°, do EPD), de modo geral, não limita a capacidade civil e (ii.) aqueles que, “mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”, não se submetem mais ao instituto da representação, pois são considerados relativamente incapazes e estariam, portanto, sujeitos ao instituto da assistência.

Destaca-se, por oportuno, que a nova lei concebeu a figura da “Tomada de Decisão Apoiada” (artigo 1.783-A e seguintes do CC/2002) que, após o procedimento narrado no novel instrumento jurídico, estabelece que a decisão tomada por pessoa apoiada (deficiente) terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado.

Vale lembrar que o instituto da representação se aplica somente àqueles considerados absolutamente incapazes.

Diante disso, é importante destacar a lição de Carlos Roberto Gonçalves acerca do conceito e consequência da representação, reproduzida pelos seguintes verbetes:

“Representação tem o significado, pois, de atuação jurídica em nome de outrem. Constitui verdadeira legitimação para agir por conta de outrem, que nasce da lei ou do contrato. A representação legal é exercida sempre no interesse do representado, enquanto a convencional pode realizar-se no interesse do próprio representante, como sucede, por exemplo, na procuração em causa própria. ”[1] (g.n.)

Sobre a assistência, é imprescindível estabelecer que este instrumento jurídico terá cabimento em favor dos relativamente incapazes, ou seja, ao contrário da representação, o assistente pratica o ato ou negócio jurídico em conjunto com o assistido.

Pois bem, superado este momento de direcionamento da ordem inaugurada e conceitual, faz-se mister confrontar estas com as regras de capacidade ligadas ao empresário e sua atividade (teoria da empresa).

Primeiramente, emerge a dúvida: teriam o direito ao exercício de empresa os indivíduos que por “deficiência mental, tenham o discernimento reduzido”, “os excepcionais” e aqueles “sem desenvolvimento mental completo”, por não estarem mais relacionados entre os incapazes do CC/2002, em somatório com o instituto da “Tomada de Decisão Apoiada” (TDA), superado a necessidade de autorização relativa a incapacidade superveniente exposta no artigo 974, §1°, do CC/2002?

Esta questão toma nível de pertinência pela simples leitura e sorteio dos requisitos apontados no artigo 972 do CC/2002, que assim aduz:

“Art. 972. Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos.” (grifamos)

Ora, se a nova ordem afasta, em princípio, a limitação de capacidade civil (artigo 6°, do EPD) seria oportuno afirmar que a tomada de decisão apoiada representaria a superação dos suprimentos judiciais da relatada incapacidade superveniente (artigo 974, §1°, do CC/2002).

O que se pode perceber, num primeiro momento, é a ausência de critérios norteadores da representação e assistência, uma vez que as pessoas com deficiência foram extraídas do conceito de incapacidade relativa e absoluta do Código Civil. Mesmo com esta precariedade, o que se faculta agora é a possibilidade de optar pela curatela ou tomada de decisão apoiada, assegurando o direito ao exercício da capacidade legal pela pessoa com deficiência.

Pelo Código Civil, nos moldes anteriores ao advento da lei sob exame, existiam tão somente as ideias de representação e assistência, bem como tutela e curatela.

Em verdade, a análise do regime a ser adotado TDA ou curatela, pela regra do artigo 84, 1° do estatuto em referência, somente reforça a necessidade de suprimento judicial e análise das circunstâncias que justifiquem a solução a ser dada ao “deficiente”, inclusive, porque a constatação de deficiência depende de análise biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.

Além disso, a autorização de exercício da empresa por incapacidade/deficiência superveniente não se opera de ofício, sendo necessário, para tanto, a apreciação do risco da empresa e conveniência em continuá-la (artigo 974, §1°, CC/2002).

Por outro lado, se no caso concreto o sócio administrador/diretor é tomado, por exemplo, por uma moléstia totalmente imprevisível que o leve à situação de coma (redução da consciência com perda parcial ou completa de reação aos estímulos externos), estaria o mesmo numa situação transitória que lhe incapacita de exprimir sua vontade, acaso venha a convalescer.

Eis outra situação que merece reflexão a partir do seguinte questionamento: com promover a assistência de alguém que não consegue exprimir sua vontade?

Basta rememorar o conceito da teoria da empresa (artigo 966, CC/2002) para constatar que a organização é uma das bases que fundamenta a referida fase evolutiva do direito empresarial.

Percebe-se que no exemplo alhures o empresário naquela fatídica situação não estaria na condição de ser representado, tendo em vista a mudança da legislação, e tampouco gozaria de propriedade suficiente para ser assistido, uma vez que para isso deve lançar o consentimento em conjunto com o que lhe assiste.

Estaria, portanto, a empresa/sociedade fadada ao estancamento?

Por mais um motivo, a legislação indica que a melhor saída para o empresário que se submete ao planejamento e organização, é se aparelhar de advogados especialistas e com aptidão de fazer um trabalho preventivo com a finalidade de minimizar os entraves ocasionados por situações intrigantes como estas.

Uma das soluções que se aponta é a utilização dos atos constitutivos de uma sociedade empresária para, através de finos ajustes e elaboração de cláusulas meticulosamente pensadas, evitar surpresas desagradáveis e entraves oriundos das formalidades exigidas cotidianamente (Ex.: representação nos negócios, etc.).

Portanto, o trabalho preventivo é crucial para se evitar situações embaraçosas advindas do ordenamento jurídico em razão de uma eventual diminuição ou perda da capacidade.

 


[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. v 1. 10.ed, São Paulo:Saraiva, 2012. p. 365-366.

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